29.8.08

Abelha-Rainha

Uma libélula rodeando a piscina: é linda, livre, reluzente, mas a gente sempre se preocupa se ela vai ou não vir nos atormentar em breve.
Tinha alguma coisa nos teus olhos, nas tuas formas, tuas roupas. Algo que me prendeu e me enganou. Tão delicada, falando tão baixinho. Aqueles olhos escuros. Tão fundos. Mas, por um segundo eu pude vê-los faiscar. Pronto! Estava feito. Pra sempre presa naquela chama. Era você...
E eu?
Ainda não era o que sou agora.
Estava tentada. Sentindo a doce relação do poder! Tentando me fazer de simpática, de adorável, desejável, e eu nem sabia disso. Você caminhava lentamente olhando a casa. Eu tinha o controle, mas você também. E, enfim, casadas! Pois, estar dividindo o mesmo teto e as coisas que dividimos é, para mim, estar casado!
Tantos cabides e roupas e mais cabides. “Vou arrancar tua blusa e por no meu cabide, só pra pendurar”... não me lembro se essa tocou – foi a minha primeira vez –, mas deve ter tocado. Hoje toca.
E foi assim. Todos aqueles livros (sim, uns nomes eu sabia outros não). Aquelas músicas. Os bibelôs. Eu queria parecer esperta. Inteligente. Engraçada. Eu queria que você quisesse estar ali, eu queria estar ali. Não, Maria. Ainda não era amor. (Ou era?) Só era gostar demais. “... os gostares...”
Eram seus dedos nos meus olhos. Fingia eu que não gostava, mas sentia falta. Sinto. Era o seu gostar, assim, cruel.
“In your arms tonight”. Foi como tudo começou. Beber, fumar, fumar, rir, chorar. Você foi me puxando para o seu mundo, de leve. Um quebra cabeças que eu fui e ainda vou, desvendando. Eu chorei, você pediu desculpas, eu senti tuas mãos na minha cabeça e seus pés que iam para outro quarto. Não. Naquela noite não mais nos meus braços. Ou talvez sim...
“Mas quando eu penso nela meu coração fica quentinho”. E não haveria mais nada que pudesse ser sem você. Seu sorriso, Maria. Teu silêncio. Tuas voltas e voltas, e voltas e piruetas na minha cabeça. E eu ouvindo a minha música na sua. Era você inteira, mas aos pedaços. E eu? Viçosa tinha mais uma razão para ser bela.
Obcecada. E porquê? Você me pergunta o que eu penso, Maria? O que eu sinto? Eu só queria passar a mão nos teus cabelos.
E você brilha como uma roupa nova. O dia que a gente se sente mais feliz. O arco-íris nas gotas do banho de mangueira. O fantasma embaixo da cama. O medo de dormir sozinho. O demônio vestindo vermelho. O maldito ditador, que age apenas considerando o que lhe parece certo. O controle da mente e do corpo. Uma vadiazinha que só precisa sorrir pra conseguir, comigo, tudo que quer. O meu pai, em suas delícias e suas dores. A minha mãe, no seu amor e covardia. A minha amiga, nos caminhos de lama, de pedras, de sonhos. Um cafajeste brincando com o fogo. Um manipulador filho da puta, cerceando os passos, prevendo atitudes: como num jogo de xadrez. Contendo toda sua fúria. Destilando veneno. Fazendo tormenta. Ah, Maria. Se eu pudesse beijar teus olhos...
“That’s the origin of Love”
E eu aceitei.
Minha sempre-doce-ácida-linda Maria. A hesitante em seus desvarios. O beijo que eu não lembro, mas ainda sinto. A inspiração e a morte, bem pertinho. A encruzilhada, o redemoinho e o diabo. O docinho de coco. Bailarina. Alma gêmea. Reencarnação. Puta. Companheira. Irmã. Não, eu não estou viajando Maria. Eu vejo os seus olhos e eles olham para os meus. Pode não ter sido seu plano ou intenção, mas aconteceu. Amor? Ah, claro. Mas se só isso fosse...

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